terça-feira, 28 de setembro de 2010

Características linguísticas e textuais do gênero textual: "tirinha."

As análises que se seguem têm o propósito de oferecer uma reflexão sobre os recursos linguísticos (verbais e não verbais) de que um autor se vale para transmitir uma determinada mensagem. Para isso, utilizaremos a “tirinha”, um gênero textual de cunho humorístico – às vezes político –, muito comum em jornais, cuja constituição se estabelece pela combinação de frases curtas – geralmente de efeito ambíguo – com desenhos que ilustram e complementam o sentido da obra.


1. Jornal digital (tira do cartunista Glauco, presente no livro "Geraldão, vol.3: Ligadão, taradão na Televisão", mas retirada na folha online):

Os verbos que aparecem no primeiro quadro da tira, "está" e "salve", estão, respectivamente, no presente do indicativo e no imperativo. Ambos nos remetem à ideia de que o que está sendo anunciado ocorre agora, e a solução pode ser encontrada também no presente.

A primeira parte da frase, "o fim está próximo", já nos remete ao que virá, ou seja, é do conhecimento comum que "fim próximo" está relacionado ao fim do mundo. E essa hipótese é confirmada com a introdução da segunda oração da frase, "salve sua alma!". Por meio dessa expressão é possível perceber a complementação da primeira oração, bem como compreender o sentido real da frase.

Ainda na primeira tira, é possível verificar a ausência de pontuação, bem como a de conectivos, salvo o ponto de exclamação no final da frase, com o claro intuito de impor uma ordem imediata ou, ao menos, uma sugestão veemente.

Enquanto na primeira, o destaque fica por conta da voz de quem anuncia “o fim está próximo” e sugere “salve sua alma”, na segunda, apenas a voz questionadora de quem se interessa pelo anúncio se faz presente: "Como posso salvar minha alma?". Por meio dessa expressão, percebe-se que a intenção de quem anuncia começa a gerar resultados, haja vista o interesse de alguém sobre o que já foi anunciado.
Nessa segunda tira os verbos "posso" e "salvar" estão no presente do indicativo e no infinitivo. Nota-se que a seleção de ambos não só dá continuidade no sentido da primeira tirinha como também o reforça, uma vez que eles também nos remetem à ideia de algo a acontecer agora e, em relação ao "salvar", obviamente, não alude a uma salvação imediatista, mas que se perpetuará em uma suposta vida pós morte.

Na última tira, a fala é retomada pelo primeiro personagem - aquele que anuncia o problema e propõe a solução -, que logo trata de explicar as intenções do autor. Ou seja, já que o fim do mundo está próximo, salve ao menos sua alma. Mas, para isso, é imprescindível já ter um local reservado, e ele, o primeiro personagem, tem a solução, “disponibilizando” para venda um “magnífico terreno no vale do amanhecer!"

A tira é, enfim, fechada com "chave de ouro", uma vez que, para dar ênfase à preciosidade do terreno a ser vendido/comprado, seu anunciante o define como "magnífico", exaltando sua beleza, sua utilidade incomparável. E tudo isso é reforçado pelo fato de o terreno estar situado em um local que se apresenta com ares de indiscutível grandiosidade: o "vale do amanhecer". Além de estar o dito terreno localizado em um "vale", o que nos remete à um local tranquilo, sereno, o léxico "amanhecer" sugere um momento futuro e, ao mesmo tempo, de começo, uma nova vida, uma nova "chance".

Considerando o gênero textual escolhido, isto é, a tira, é possível perceber as características específicas do texto selecionado, a começar pelo seu arcabouço formado por quadros que separam as partes da história a ser contada, frases curtas, imagens verbais e não verbais. Contudo, percebe-se que a seleção dos léxicos está ligada não somente à estrutura do gênero, mas também ao público-alvo que, geralmente, são leitores assíduos desse tipo de texto, além de outros interessados no assunto.
Assim, considerando a mídia em que a tira está veiculada (o jornal online), é possível perceber que quatro são as características que especificam o texto: a linguagem informal, a presença das linguagens (verbal e não verbal), a utilização de metáfora e a maneira direta de construção da mensagem, sem gorduras, ou seja, sem acessórios desnecessários.


2. Jornal impresso ( tira retirada do Jornal Estado de Minas: Vereda Tropical):

O uso dos verbos no infinitivo "precisar" e "providenciar" nos dá a ideia de ação, que deverá ser executada por aquele que deseja abrir uma empresa "...precisa providenciar 37 documentos para abrir a empresa." E o homem que está responsável pela abertura, para se certificar de que o outro o compreendeu, pergunta: "entende?" Ao que o outro responde com um "sim." No entanto, ele pensa "mas como diria o outro: burocracia de merda." Nessa última frase, o léxico "o outro" é alguém indefinido. “Como diria o outro” corresponde a “como se diz”, expressão muito utilizada no cotidiano. Há também nela a ideia de ira e inconformismo mediante a burocracia, que pode ser comprovada por ambas as linguagens (verbal e não-verbal). Ainda no último quadro, pelo uso do "balão", expressa-se a sua verdadeira vontade de, ao invés de agir com tanta calma e educação como fez,  esbravejar, chutar tudo.


3. Jornal radiofônico (frase retirada do site da Central Brasileira de Notícias - CBN):


A frase de Jabor, além de respeitar a norma padrão, é ao mesmo tempo simples e sofisticada. Simples, porque não se vale de palavras rebuscadas ou pouco usuais, que mais servem para ostentar a competência do redator que para transmitir sua mensagem; sofisticada, porque usa com habilidade o recurso da vírgula para separar duas orações antagônicas (Lula não é um político – negativa) e (lula é um fenômeno religioso – afirmativa) dentro de uma única frase, suprimindo a repetição do substantivo Lula.  

O verbo no presente aponta para a intenção de manter a ideia sempre atual, em qualquer tempo que se leia a frase. Além disso, apela para a ironia, quando provoca o sentimento religioso das pessoas, ao propor uma analogia entre o político e alguma entidade santificada; sugerindo que só a fé mantém a lealdade de seus partidários. A linguagem é estritamente verbal e estimula o leitor à reflexão. O texto é curto; bem escrito; direcionado aos eleitores, tendo em vista a proximidade das eleições presidenciais; e apropriado ao veículo de divulgação – o rádio –, já que não precisa de elementos não-verbais que lhe dêem suporte.


4. Revista impressa (Nova Escola: Calvin): na tira não há nenhum uso de linguagem verbal. É a linguagem não-verbal, utilizada quadro a quadro, que conduz o leitor à compreensão da mensagem que Calvin deseja propagar.

No primeiro quadro, o personagem caminha com um guarda-chuva na mão. No segundo, começa a perceber a precipitação de alguns pingos de chuva. Já no terceiro, começa a abrir o guarda-chuva. Até aí, nenhum estranhamento – o autor passa a ideia de que o personagem lançará mão do guarda-chuva para se proteger. De repente, no quarto e último quadrinho, a quebra da espectativa, do óbvio. A grande surpresa! Ao invés do esperado, o personagem aparece brincando dentro do guarda-chuva, que está virado ao contrário, cheio de água, como se fosse uma bela piscina.

Talvez a escolha da linguagem não-verbal seja o que garanta o ápice da intenção do autor. Houvesse ele feito uso da linguagem verbal, seu propósito de prender a atenção do leitor até o desfecho da história provavelmente teria se perdido, antes mesmo do último quadro. Quadro a quadro, cada imagem vai instigando o leitor a fazer uso dos seus conhecimentos e, então, imaginar o que poderá acontecer posteriormente. E é quando, ao final, tudo é desfeito com total inversão das probabilidades inferidas pelo leitor.

Esta tirinha pode parecer, em princípio, muito simplória e sem relevância, mas, na verdade, pode nos remeter a um provérbio chinês muito antigo e bonito que diz mais ou menos o seguinte: “Diante da chuva iminente, o tolo pragueja, o homem comum se conforma e o sábio planta.”

O que ocorreu, foi que o personagem não se queixou nem se conformou simplesmente; o que ele  fez, simbolicamente, foi plantar, isto é, aproveitar o que a chuva oferecia: a água.  


Referências


JORNAL ESTADO DE MINAS. Belo Horizonte, 22 set. 2010. Caderno cultura. p. 9

REVISTA NOVA ESCOLA. Belo Horizonte: Abril. 2009 – Semestral. Ano XXIV – n. 224



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