quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Leitura e Escrita: novos suportes, novos leitores

No capítulo 8 do livro “Letramento Digital – Aspectos sociais e possibilidades pedagógicas”, Ana Elisa Ribeiro, com embasamento em diversas fontes bibliográficas, apresenta uma clara relação entre novos e antigos suportes para leitura.

Segundo ela, uma revisão da história dos suportes e tecnologias para a prática de leitura e escrita é fundamental para a compreensão dos meios modernos que servem a esse fim, como o computador e a Internet, possibilitando uma análise crítica dos prós e contras a eles concernentes.

O ato de ler é um processo antigo no qual o acesso a um texto mais complexo, conforme salienta Ribeiro, sempre foi privilégio das classes dominantes, com raras exceções como, por exemplo, o cordel, gênero textual produzido por autores que, embora geralmente não detenham poder econômico nem grande conhecimento formal da língua, dedicam-se a difundir essa modalidade de leitura em pequenos livros pendurados em varais expostos em praças públicas.

Para se ler – em qualquer época que se considere – é necessário um suporte, e esse suporte tem sofrido constantes e variadas transformações. De acordo com  estudos realizados por Ribeiro, os materiais usados para ler e escrever mudam em função das demandas do leitor, consumidor de livros e de periódicos e ávido por um acesso cada vez mais amplo a informações diversas. Sendo assim, com o propósito de atender às exigências dos novos leitores, o suporte para leitura se moderniza, passando das cópias das Escrituras Sagradas em placas de cera para o registro em pergaminho, papiro e papel, até chegar aos meios digitais da atualidade.

À medida que o suporte para leitura evolui, acentua a autora, o leitor também se modifica, o que exige mais profissionalismo dos escritores, pois a leitura passa a ser concebida de outra maneira, deixando de ser apenas um processo de decodificação para ganhar a complexidade de uma atividade cognitiva adquirida e desenvolvida pelo homem.

Diante disso, pode-se perceber que ocorre uma dinâmica alternância: ora o novo leitor exige novos suportes para leitura, ora as novidades para essa prática estimulam a adaptação dos leitores. Mas o que dizer da invenção do computador? Qual a sua relação com o leitor? Sem dúvida alguma, o computador vem trazer uma nova possibilidade de leitura. Uma leitura que é exigida pelo leitor atual e que nada mais éque uma forma diferente para algo que há muito tempo já se fazia.

A inscrição do texto na tela de um computador promove uma estruturação para o corpo da mensagem que se difere amplamente daquelas com que se defrontava o leitor da Antiguidade, o leitor medieval e até mesmo o leitor moderno e contemporâneo do livro manuscrito ou impresso. Naquelas modalidades, salienta Ribeiro, o texto se organiza em placas, rolos e cadernos, folhas e páginas, enquanto na tela, o formato do texto, com sua fluência e dinamicidade, revela traços que indicam que a revolução do livro eletrônico se dá tanto nas estruturas do suporte material do escrito quanto nas maneiras de ler.

Assim, é possível compreender que diferentes suportes, ao mesmo tempo em que rompem fronteiras, deparam-se com outras tantas. O leitor se adapta a cada suporte, cabendo a ele fazer uso dos seus conhecimentos prévios, de acordo com o suporte que está sendo utilizado para determinado tipo de leitura, a fim de chegar a uma nova forma de manipular o objeto novo, destaca a autora. Todavia, mesmo diante desse novo suporte do século XXI, ainda é possível verificar que, muitas das vezes, conforme enfatiza Ribeiro, o leitor de hoje age de maneira muito semelhante àquele leitor do papiro, já que um mesmo texto, seja escrito em papel ou projetado em uma tela de computador, pode ser lido de diferentes maneiras. O ato de ler, a despeito das diversas modalidades textuais e de suporte, permanece uma total responsabilidade do leitor, que poderá fazê-lo da maneira que considerar mais adequada, pulando páginas, parágrafos, do final para o início etc. Por outro lado, ressalta Ribeiro, mesmo diante da facilidade da leitura na tela, devido às especificidades que esse suporte oferece, o livro tradicional, de papel, possibilita maior praticidade quando se trata de transportá-lo a outros ambientes.

Segundo aponta Ribeiro, diante do objeto de leitura, o leitor, assim como o escritor, vai sempre reconfigurar suas experiências, seus hábitos e processos, de acordo com o que deseje, precise ou deduza. Os passos dados da tabuleta de cera em direção à tela foram lentos, graduais e perfeitamente integrados a uma experiência de versatilidade, e não de exclusividade. E é na medida em que o leitor se aperfeiçoa que também se fazem necessários novos meios de publicação e de leitura.  Cada tipo de texto com que o leitor se deparam, cada gênero textual diferente com que se deleita, o torna, cada vez mais, um manipulador de textos e suportes, um explorador de possibilidades, reforça a autora.

A partir do surgimento do computador, como um novo suporte para leitura, surgem também diferentes conceitos para o que se denomina hipertexto que, apesar de sua história recente, possui fundamentos antigos nas enciclopédias, nas coleções e nas bases de dados, com a vantagem, entretanto, de oferecer meios para se contornar, ao menos em parte, certas dificuldades semânticas em relação ao acesso a documentos e informações, que já existiam antes e persistem ainda nesses novos tempos.

De acordo com Ribeiro, era preciso desenvolver um sistema mais favorável que os sistemas de classificação hierárquica, tendo como fonte inspiradora a própria maneira de pensar do investigador/leitor, de forma que não tenha ele que modificar sua essência, mas aprimorar suas competências diante da evolução de tecnologias antigas, para que possa enfrentar tal novidade (o novo suporte) sem maiores  estranhamentos.

O livro impresso – e disso não restam dúvidas – herdou muito das convenções do livro manuscrito, mas gradualmente foi desenvolvendo e impondo seus métodos próprios de arrumação de espaço tipográfico. Novas formas impressas de pontuação, por exemplo, precisavam ser desenvolvidas. Os primeiros livros impressos frequentemente convidavam o leitor a fornecer seus próprios meios auxiliares de leitura – como pontuar e marcar letras maiúsculas. Hoje em dia, os textos eletrônicos cumprem a função de restaurar algumas dessas oportunidades que haviam se perdido na relação do livro com o leitor, salienta Ribeiro.

Assim, o meio eletrônico, diferente do que se possa imaginar, não constitui exatamente um suporte inovador e simum aparato que propicia o resgate de possibilidades perdidas na relação histórica do suporte com o leitor.

Ribeiro enfatiza que a leitura - seja de um texto impresso ou projetado numa tela não deve se restringir ao suporte, mas ser processada com base no percurso que será realizado pelo leitor, de acordo com suas intenções e habilidades. Dessa forma, o hipertexto nos remete ao texto não-linear que, segundo a autora, não deixa de ser texto, embora o contrário não seja verdade, isto é, nem todo texto é hipertexto, pois para sê-lo deve ter certas características, sendo a principal delas a não-linearidade. Essa principal característica acaba por aproximar o leitor atual do leitor da Antiguidade, já que o texto que hoje se lê corre diante dos olhos – embora não do mesmo modo que o texto de um livro em rolo, que precisava ser desenrolado para ser lido – verticalmente e segundo as intenções do próprio leitor. De um lado, ele é como o leitor medieval ou o leitor do livro impresso, que pode utilizar referências como a paginação, o índice, o recorte do texto, e, ao mesmo tempo, mais livre. O texto eletrônico permite ao leitor maior distância com relação ao escrito e, nesse sentido, a tela aparece como o ponto de chegada do movimento que separou o texto do corpo.

Os usuários do suporte eletrônico, na realidade, vão se deparar simplesmente com um suporte diferente e com a velocidade que este possibilita, permanecendo as maneiras de ler dependentes dos critérios desse leitor/usuário que, quanto maior contato possuir com o suporte e com o hipertexto, maiores facilidades terá em manipulá-los.

Os efeitos da tecnologia, conforme adverte Ribeiro, não ocorrem aos níveis das opiniões e dos conceitos; eles se manifestam nas relações entre os sentidos e nas estruturas da percepção, num passo firme e sem qualquer resistência. O artista sério é talvez o único capaz de enfrentar impunemente as evoluções da tecnologia, justamente por ser ele um perito nas mudanças da percepção.

Dentro dessa perspectiva, a facilidade da leitura/escrita no meio tecnológico será exclusividade do leitor/escritor que seja detentor da estrutura e capaz de perceber as possibilidades que esse novo meio possibilita


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA


RIBEIRO, Ana Elisa. Ler na tela. Letramento e novos suportes de leitura e escrita. In: COSCARELLI, Carla Viana & RIBEIRO, Ana Elisa (Orgs.) Letramento Digital – Aspectos sociais e possibilidades pedagógicas. Belo Horizonte: Ceale, Autêntica, 2005, pp. 125-150.









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